A importância dos limites para o desenvolvimento saudável da criança com câncer - 2012

 

No decorrer do desenvolvimento cognitivo, emocional e social as crianças gradualmente adquirem o senso de confiança, de proteção, de iniciativa e, principalmente, de independência, autonomia e liberdade. Porém, essas questões podem ficar prejudicadas quando a criança adoece precocemente, como por exemplo, de câncer. O câncer infantil é tão inesperado, quanto indesejável e capaz de transformar a vida da criança e de sua família. Ao adoecer, a criança tem sua rotina e os hábitos comuns à infância completamente alterados devido às limitações que a doença, o tratamento e a hospitalização impõem.

Além disso, os pais diante de uma doença crônica enfrentam uma maratona de supervisão e responsabilidade no cuidado do filho. Então, ao invés de encorajar a independência na alimentação e hábitos de higiene, por exemplo, podem desenvolver ainda mais a superproteção. Os pais, muitas vezes relutam ou apresentam dificuldades em estabelecer limites adequados para o comportamento do filho enfermo, pois acabam desenvolvendo sentimentos de pena e culpa diante da doença e da percepção do sofrimento da criança.

Essa nova situação, pode fazer com que a criança doente obtenha vantagens, chamadas “ganhos secundários” que só existem porque ela está doente. A criança percebe um lado bom de estar doente, pois monopoliza a mãe, suscita piedade nos que estão ao seu redor, ganha brinquedos e percebe que recebe menos ‘nãos’ do que antes de adoecer. Esse é um processo normal que faz parte da adaptação à doença e permite suportar seus inconvenientes. Entretanto, é preciso cuidado, por parte dos adultos que a cercam, para não entrar nesse jogo, pois pode resultar em uma dependência nada saudável da criança em relação a seus pais e à consequências psicológicas, como falta de autonomia, baixa autoestima, dificuldades de interação social, de enfrentar situações adversas e de receber um “não”.

Quando a criança é curada e a vida volta ao normal, aquela já não é mais a mesma. A realidade é que nessas ocasiões os pais costumam verbalizar inquietações referentes a condutas e comportamentos atuais dos filhos. No discurso dos pais, as crianças apresentam comportamentos inadequados como falta de limites, artimanhas, entre outros, os quais são reconhecidos por eles como tendo origem na superproteção e nos “mimos” que concederam aos filhos quando estavam em tratamento.

Nos atendimentos e orientações realizadas pelo setor de psicologia na Casa Durval Paiva, costumo ouvir queixas como: “G. é uma ótima menina, mas é muito nervosa e mimada. Ela não entende quando não posso comprar um brinquedo, quer tudo na hora que ela quer. A gente comprava coisas caras para deixar G feliz, aí ela se acostumou né?” ou “Ele é muito dengoso, sabe? Não gosto de bater nele e nem deixá-lo de castigo... ele  já sofreu tanto...”

Diferentemente de alguns anos atrás, atualmente, os avanços no tratamento do câncer na infância contribuíram para um aumento significativo de crianças curadas e, a partir de então, tem sido possível observar e procurar formas de tratar os efeitos tardios decorrentes do tratamento.

O risco de comprometimentos psíquicos também tem sido observado em decorrência desse aumento de crianças curadas e merece atenção, visto que a infância é um período de desenvolvimento da personalidade e, consequentemente, dos padrões de comportamento do sujeito diante do mundo e das pessoas. Situações tão difíceis como um câncer, se não contarem com um apoio adequado, tendem a provocar traumas sérios com graves consequências para o futuro da criança.

Para que isso não ocorra, é importante tomar algumas precauções para minimizar e organizar a confusão de sentimentos que acometem os pais com a notícia do diagnóstico de uma doença grave, como por exemplo, desmistificar logo no início do tratamento o caráter mortal da doença. Uma equipe preparada sob um enfoque psicossocial pode ajudar a prevenir e amenizar tais conflitos. É necessário orientar os pais e responsáveis pela criança doente a manter as regras e limites, diferenciando atenção e afeto, de superproteção.

Levando em consideração esses cuidados, tanto a família quanto a criança com câncer estarão mais preparadas para enfrentar e conviver com a doença e, no futuro, desfrutar de uma vida com melhor qualidade.

Por por Juliana Barbalho - Psicóloga da Casa Durval Paiva

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